Robbie Jacks

Não vou chutar a idade dessa foto, porque realmente não sei quando foi tirada, mas me lembro perfeitamente desta fantasia.
Mamãe decidiu às pressas me transformar em melindrosa. Abriu o tampo de madeira de uma mesa magrela e engraçada que ficava encostada à janela da sala e, de dentro dela, surgiu uma máquina preta, maciça e imponente. Uma Singer.
Parada feito manequim por ordens de mamãe, meu corpo sentia a cosquinha da fita métrica entrelaçando-o. Barriga, quadris (que quadris?), peito (que peito?), mede do ombro até o joelho. Pegou um longo pano preto e esticou-o acima dos olhos. “Vai dar”, disse ela, para ninguém em especial. Era sexta-feira de carnaval.
Mamãe sentou-se em um banquinho e comandou a máquina barulhenta com uma destreza que eu jamais havia visto. Sim, ela remendava minhas sapequices de criança, fazia e desfazia bainhas, mas era a primeira vez que a via criar algo de verdade. Seus pés moviam o pedal de ferro que eu usava como balanço para as Barbies. Será que sairia uma roupa normal dali? Achava que só as lojas faziam isso.
Mamãe coseu durante a madrugada, enquanto via de relance o desfile das Especiais na televisão. Tentei acompanhá-la, jogada no sofá da sala, mas o sono me vencia. “Pega aquela sapatilha preta”, ordenou mamãe, para me acordar. Com um olho aberto e um fechado, cambaleei até o quarto em busca das minhas melissinhas, meu primeiro e último par de sapatos com cheiro de chiclete.
Mamãe era ousada. Aplicou todas as franjas e os paetês no vestido e me fez experimentar. “Hm, está bom, mas ainda falta alguma coisa”, dizia, enquanto eu chacoalhava feliz ao ritmo das franjas. Mamãe buscou em sua caixa de costura e encontrou: dois grandes pedaços de fita para amarrar nas minhas canelas.
“Mamãe, posso costurar os paetês na fita?”, pedi, louca para ser útil. Mamãe aquiesceu. Já eram 3 da manhã e ela, com seus olhos de jabuticaba já pequenininhos, umedeceu a ponta da linha com os lábios e me mostrou como enfiá-la no buraquinho da agulha. Deu um nó na ponta e começou. Colocou uma conta em cima do paetê rosa e passou a linha pelos dois, unindo-os à ponta da fita preta. Mais duas agulhadas precisas, mais um nó, e estava seguro. “Viu como faz?”. Agora era minha vez.
Sentada em meu vestido novo, cujas franjas pinicavam na bunda, costurava com mamãe os paetês nas longas fitas. Ela ia muito mais rápido que eu, mesmo parando para me ajudar quando a fita embolava na linha, ou quando a distância entre os brilhos estava muito discrepante.
Quando a última escola encerrava seu desfile, encerramos nossa costura. O sol já despontava, as baianas retiravam seus adereços pesadíssimos, exaustas e suadas e eu, com pique renovado, estava pronta para começar meu carnaval.
Mamãe pega sua escova elétrica e tenta domar meus cabelos crespos. Faz cachinhos nas pontas. Amarra as fitas, arranja uma pena, branca, cola quente na cabeça: “Hm, está faltando alguma coisa”.
Com toda a sagacidade que só uma mãe professora tem, pega um pedaço de feltro preto e corta um pequeno círculo: eis uma pinta à la Cindy Crawford. Tira a carga de uma caneta bic, passa cola por toda a volta e a rola por um mar de purpurina cinza. Na ponta, insere um de seus preciosos cigarros Plaza: eis minha cigarrilha. Vai até seu armário e dele tira um grande colar de pérolas.
“Eis minha melindrosa”, diz, cheia de orgulho, dando duas voltas com o colar gigante em meu pescoço de criança. Pega a máquina, ajeita a modelo mirim e faz o clique.
Não sei de que ano é esta foto, não lembro se minha Mocidade ganhou, não lembro nem onde usei esta fantasia. Mas as melhores lembranças, as mais preciosas desse carnaval de mil novecentos e noventa e alguma coisa são estão todas nessa foto. Dentro dela e de mim.
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