Robbie Jacks

O bar estava cheio, e isso a estava incomodando. Mesmo assim, pediu mais uma dose.
Pousou o copo vazio de conhaque junto aos outros, que formavam uma pequena fila indiana à sua frente. Ou eram duas? Ah, que importa!
—Ô mocinho, traz mais uma!
Torpor... e esse barulho de gente! O que que esse povo tanto tem para comemorar? Por que estão todos rindo? Paul odiaria isto aqui... Paul? Foda-se Paul! Ele não está aqui, está?
—Desce outra logo, garçom!
Ué, quem é esse cara aqui do meu lado?
—É comigo mesmo que você ‘tá’ falando?
—Sim, desculpe, é que eu te achei BFLRKSAORUEBWQA...
ALÔ-OU! Não estou entendendo nada do que você está falando! Estou bêbada, escutou? BÊ-BA-DA! Rá pra você!!!!!
Como a alegrava pensar isto, embora não tivesse coragem de dizê-lo! Sua mente estava acelerada por pensamentos incongruentes, mas seu corpo não sentia mais nada, além da vontade de tomar mais uma. Mas o carinha do lado dela continuou:
—... e eu não sei mais o que te dizer, mas estou com fome, vamos sair daqui?
Opa! É pra já! Tudo para fugir dessa alegria desvairada. Será que tem mais bebida para onde vamos?
Ao saírem do bar, o vento frio e contínuo que soprava na rua ardeu em suas bochechas, e a fez recobrar um pouco da sobriedade. Hm, que friozinho gostoso! Enquanto andavam pela camada finíssima de gelo que lustrava os paralelepípedos, seus pensamentos novamente se viram invadidos. Se Paul estivesse aqui, estaríamos tomando um chocolate quentinho e vendo filmes de 1927...
Sorriu. E, ao se dar conta do sorriso, fechou a cara. O acompanhante fitou-a com apreensão. O que passava na cabeça das mulheres? Achou por bem tirá-la da friagem.
Não vou pensar no Paul, não vou pensar no Paul. Maldito Paul! Por que me deixou? Maldito Paul! Você não me merece! A caminhada seguiu, rápida e silenciosa.
Horas antes, no pequeno café perto do trabalho, seus dois amigos a haviam encontrado. Unidos pelo pesar, começaram a beber ali mesmo. Não falavam nada, só bebiam. Pediram uma porção de batatas-fritas. Um mendigo já de idade fumava guimbas de cigarro que achava no chão. Enquanto a amiga comia sem gosto, e o outro jogava as batatas distraidamente no chão, ela ria sozinha. A bebida começava a fazer efeito.
O mendigo entrou no café. Catou algumas moedas no bolso fundo de um paletó fedorento e pediu uma média. Olhou as batatas esparramadas em torno da mesa, ajoelhou-se, timidamente, e recolheu uma a uma, comendo sob o olhar severo dela, que parara de rir. O amigo levou um choque, ajoelhou em frente ao mendigo e lhe deu o restante da cesta. Começaram a conversar. Ela e a amiga somente observavam, com ar de reprovação. O velho parecia consolar o amigo, que desatou a chorar. Pouco depois, o mendigo também chorou. A amiga logo se juntou, e formaram três cabeças chorosas naquele café. A raiva esquentou seu sangue. Traidores! Haviam iniciado a cura! E eu, o que faço com minha dor????

Ao chegarem no restaurante, não havia vaga do lado de dentro. Foram acomodados em uma mesa na calçada, colada à fachada. Onde estou?Ah, que diferença faz!
—Tem vinho aqui? — o carinha fez que sim.
—Pede uma garrafa para mim, então!
Sentada de frente para a vidraça do restaurante, ela podia ver o interior do salão à meia-luz, onde casais com ares de paixão conversavam amorosamente, obviamente aquecidos pelo ambiente convidativo, o tilintar dos talheres, a leveza dos garçons.
—... it is indeed a bad room with a good view! — disse ele, olhando por cima do ombro.
—HÃ? O que você disse? Repete!! —disse ela, num sobressalto.
Ele virou-se rapidamente e tentou lembrar das impressões comentadas.
—Quê? Hm, eu falava que a decoração é bastante convidativa, romântica até, com seus...
—NÃO,NÃO, O QUE VOCÊ FALOU POR ÚLTIMO? —até ela se assustou com o próprio tom.
—Er... olha, falei uma frase que me veio à cabeça! Que nós estamos “in a bad room with a good view!”
—Não, não, não, não… por QUÊ você foi falar isso? “A BAD ROOM WITH A GOOD VIEW”?? Por que você foi JUSTO falar sobre o lema DELE?
—Lema de quem, mulher de Deus? — ele já estava semi-arrependido de tê-la escolhido como a transa da noite.
—DO PAUL, SEU DESGRAÇADO! SEMPRE do Paul...
Deu um gole generoso no vinho e continuou.
—Ele sempre tinha uma dessas, sabe? Tinha mania de ver o lado bom da vida. Com ele, o consultório médico cheio era uma oportunidade para colocar a leitura em dia; o tênis molhado de chuva, uma desculpa para andar descalço. O lugar ruim sempre tinha uma vista boa...
Terminou o vinho da taça e agarrou a garrafa. Desatou a rir.
—Mas agora— disse, mirando nos olhos do estranho — não tem mais Paul. Não tem mais otimismo, não é verdade? NÃO TEM MAIS BOA VISTA!
Com um estrondo, derrubou sua cadeira e sentou no espaço do lado dele, chegando perto demais do seu ouvido e sussurando:
—Agora, não tem mais Paul para nada. Só eu e você...
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O quarto cheirava a mofo. Não sabia que horas eram, nem quanto tempo passaram ali. Deixou-o deitado na cama e levantou, ainda sem saber o que fazer. Reparou que o cheiro vinha das poltronas e almofadas bolorentas e esverdeadas que supostamente adornavam o quarto. Sentiu nojo de si e dali.
Caminhou vagarosamente pelo cômodo pequeno e mal iluminado. Passou o dedo nos móveis empoeirados. Parou defronte do espelho embaçado: jamais havia se visto assim, tão nua, tão mundana, num lugar tão fétido. Definitivamente “a bad room”, pensou. Resolveu abrir a janela. Deu de cara com uma parede decadente de tijolos vermelhos. “With a definitely bad view”, completou. E começou a chorar.
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