Robbie Jacks

Acordo. Rolo na cama antes de tomar café. Levanto. Vou até a cozinha. A porta não se abre. Melhor assim.
A porta não se abre e ninguém nota. Melhor assim. Quando abre, é guerra. Quando fecha, é paz. Mas também é medo.
Hora da morte: 8h45m. Mas ninguém nota. O ponteiro segue girando, o dia se parte ao meio. Almoço na mesa, ele chega cansado e suado. Bebe água. Esfria a moringa. Come. Joga o corpo na horizontal. A porta não se abre.
Me despeço com um beijo e vou viver. Ele não nota que a porta ainda não abriu. Hora da morte: 8h45m. Mas ninguém sabe.
Morreu como viveu: sozinho e trancado em seu mundo. Quando a porta se abre, o frio do quarto se mistura ao frio da pele cinza e ao frio dos olhos leitosos, vidrados. Nos remetem à frieza de seu desprezo. Esvaneceu o fogo da sua ira, o peito cheio de selvageria e rancor que o inflou até que explodisse, ou melhor, implodisse. Causa mortis: engoliu-se em seu próprio desgosto.
O céu escurece, e a porta não abre. O mistério ainda é inexistente, pois ninguém ainda se deu conta que ele vive no lugar do morto. O dono da porta já não existe mais. Jaz. Mas ninguém nota.
O ser que nos faz falta nos deixou anos atrás. Entramos em luto pela pessoa que ele um dia foi, ontem já não era mais, e hoje voltou a ser, graças ao véu da morte, que tudo perdoa.
Já choramos a saudade da criança alegre, do adolescente engraçado, do adulto talentoso. A alma foi tomada por um mal que deve ter um nome, mas desconhecemos. Ele não quis saber, e não quisemos insistir. Fechou a porta e nos deixou do lado de fora, ele quis assim.
Se fosse pela vontade da porta, ficaria fechada para sempre, encerrando em si seu mais último prisioneiro. Mas, em um último grito de ajuda, seu corpo clamou como pôde pela salvação. Suas angústias, raivas e medos incharam a pele, abrindo fendas em todo o corpo. Toda a escuridão que torturou sua alma por tantos anos finalmente vazou. E ele exalou pela última vez.
Quando a porta se abriu, o tempo parou. Homens estranhos com botas pesadas, andando pra lá e pra cá, desarrumando os dois mundos: o de dentro e o de fora da porta. Miravam sem piedade meus olhos, que de perplexidade, pena e confusão, vagavam pelo cenário. Era essa a conclusão que queriam chegar: para onde olhavam agora? O sofá, os discos, a pia da cozinha. Tudo estava impregnado com as mãos e o cheiro pesado desses estranhos. Era familiar, mas não era da família. Virou cenário do que eles chamaram de tragédia. Para nós, era apenas um fim.
Suspeita. Toda morte é suspeita para quem não estava lá. Todo mundo é suspeito para quem não viu o evento. Todo mundo tem uma teoria. Nós tínhamos uma porta fechada. Até esse texto é suspeito. Não se pode mais imaginar. Tudo é evidência, mesmo que só exista na cabeça preocupada de uma irmã. E o nó vai apertando, vai tentar explicar?
11h20. A porta abre. Graças a Deus. Continuam o frio, o desprezo, a raiva contida. Mas o coração ainda bate. E eu noto.
Robbie Jacks

Para querer visitar Buenos Aires, não é preciso muito incentivo: clima bom, pessoas legais, muita história e atrações imperdíveis. Agora, se o lugar tem tudo isso e MAIS comida boa, aí é um combo matador e só não vai quem não tem dinheiro mesmo. Ou vai duro e bota tudo no cartão, tá tudo certo.

Pensando em comida, pois é só no que penso mesmo, resolvi fazer um TOP 10 das experiências gastronômicas mais famosas de Buenos Aires. Para te falar a verdade, algumas *estrelas* da culinária portenha me decepcionaram lindamente. Então, nessa lista, começo com minha pior experiência e vou subindo até chegar na melhor comida que provei em Buenos Aires. Mas antes de começarmos, vamos falar de preço?

Agora, em janeiro de 2017, o real está valendo cerca de 5 pesos. Parece incrível trocar 10 reais, por exemplo, e levar 50 pesos, mas saiba que em Buenos Aires tudo é caro. Quer dizer, é caro como o Rio de Janeiro: um sorvetinho pequeno (mas generoso) sai por volta de 85 pesos, ou seja, 17 fucking Temers. Não é uma casquinha de R$2,50 no Mc Donald's, então cuidado ao sair gastando seu rico dinheirinho lá, tá?

Agora, com vocês, do pior ao melhor meu Top 10 gastronômico.

10- Morcilla

 Morcilla é muito ruim :-/

Gente, tô pra ver comida mais estranha que essa. Eu definitivamente não nasci para ser apresentadora de programa de culinária exótica. Se você não sabe o que é, tá no lucro. Morcilla é uma linguiça preta, feita de sangue e gordura de porco. Só a descrição foi suficiente para embrulhar meu estômago, mas eu quis provar pra ver se era ruim mesmo. Era. Tinha gosto de lama podre. Me alertaram para não comer a casca, mas eu diria pra não comer absolutamente nada da morcilla, nem deixe ela perceber que você tem boca. Mas a galera portenha gosta muchísimo e come com pão. Na dúvida, prove.



9- Empanadas


Empanadas para todos os gostos

Uma das minhas maiores decepções, mas nem sei o que eu estava esperando. É tipo um pastel de forno, que você coloca o recheio que quiser, como carne moída, frango ou queijo e presunto. Mas eu, que sou fresca, não gosto de nada massudo, até a crosta da pizza fina eu jogo fora. E também não gosto de carne moída. Sério, nem sei por que me empolguei com as tais empanadas. Mas enfim, são boinhas, mas só coma se você gosta de tudo o que eu não gosto, senão vai ser um show de desperdício.

8- Choripán


Chorizo + pan. Como eu não tinha percebido antes???

Demorei uns dias pra me dar conta que o nome choripán é a aglutinação de "chorizo + pan", ou seja, o bom e velho pão com linguiça. Sim, eu sou lerda mesmo. Vi muita gente comendo-o na rua, especialmente em San Telmo e La Boca, onde as atrações estão ao ar livre e a turistada se esbalda. Como tenho estômago fraco, não provei nenhuma comida dos ambulantes, mas comi um choripán feito numa parrilla (churrasqueira) caseira. O chorizo é bom, mas é igual a qualquer linguiça boa brasileira. Ah! E, como qualquer cachorro-quente, pode-se adicionar temperos como chimichurri ou salsa criolla, mas eu comi puro mesmo. Talvez tenha sido sem-graça por isso.


7- Alfajor


Esse foi um puta café da manhã, cheio de gordices. Olha o alfajor de maisena aí no meio!

Fui animadíssima pra provar, crente que era diferente dos da Turma da Mônica que já comi por aqui. Cheguei lá e...é pão de mel, né, gente? E eu não gosto muito de pão de mel. Já sei, eu não gosto de muitas coisas, mas enfim. Meus amigos me recomendaram 176453 marcas: Cachafaz, Abuela Goye, Havanna, Vauquita. Provei alguns e, pra mim, são todos iguais. Exceto o Oreo que imita alfajor. Esse é MARA. No voo, a Aerolineas distribuiu o tal alfajor de maisena. Então, é maisena com doce de leite, né? Curti muito não.


6- Chocolate

A vovó faz sorvetes e doce de leite maravilhosos. O chocolate né não.

Aqui cês vão me matar. Eu AMO chocolate, mas me decepcionei um pouco. Achei que ia ser uma experiência "muy rica", tipo quando você saboreia um chocolate belga ou suíço DE VERDADE, mas fuéééén. É tipo Cacau Show. E eu não gosto de Cacau Show. O que eu comi foi esse aí, da Abuela. Não recomendo.


5- Pizza con fainá

Olha essa pizza fofa deitadinha numa caminha de fainá. É só amor, gente

Por que ninguém falou que existe um jeito MELHOR de comer pizza na face da Terra? E COMASSIM gente não tem fainá no Brasil? E aí você deve estar se perguntando: 'que diabos é fainá?' Eu explico: tá vendo essa massa embaixo da fatia de pizza na foto? Ela é moldada no formato da pizza, mas é feita com farinha de grã-de-bico e sem recheio.

Olha, eu realmente não sei qual o objetivo da fainá na pizza, será que é pra render e você comer menos queijo, não dar prejuízo pro dono da pizzaria? Sei lá. Só sei que provei umas pizzas muito da hora e estou apaixonada por fainá. Eu provei as da pizzaria Kentucky e La Americana, mas essas nem são as top de linha de lá. Se você quer encontrar as melhores pizzarias, corra para a avenida Corrientes.



4- Dulce de leche


Suas definições de café da manhã foram atualizadas

Por favor, tentem me entender. Cresci pobre, apreciando mixxxto quente com guaraná nas noites de domingo vendo Os Trapalhões. Doce de leite, aqui em casa, só chegava em barrinhas nos saquinhos de São Cosme e Damião ou na fervura da lata de leite moça. Sabe aquele doce de leite rançoso, nojento, com cara de foi feito com nata pura? Eu odeio.

Chegando em Buenos Aires, tive medo de provar o doce de leite. De me decepcionar

3- Helado

A cara de quem não tá nem aí pras calorias

Taí um negócio que, até quando é ruim, é bom! Gente, o sorvete em Buenos Aires não é aquela pedra que você chupa até só sobrar gelo não! É uma massa aerada, levinha, que parece uma mousse gelada. É disso que os sonhos são feitos, não? De sorvete e nuvem!

Nessa minha semi-longa estadia, pude provar quatro sorveterias: Munchi's, Daniel, Freddo e Abuela Goye (sim, a vovó também faz sorvete). A mais ruinzinha foi a Munchi's, mas deve ter sido pelos sabores que escolhi: creme de framboesa e chocolate belga. O chocolate estava normal, mas o creme de framboesa poderia ser um pouco mais azedinho, tava muito doce.

A MELHOR DISPARADA foi a Daniel. Pedi também o meu "clássico" chocolate belga com mousse de maracujá. Minha vontade era jogar o chocolate fora e tomar um litro de sorvete de maracujá, porque estava incrível! Leve, doce, e com o azedinho do maracujá lá no fundo, perfeito para os dias quentes que enfrentei lá.


2- Hamburguesa


Nesse dia, eu morri e fui pro céu, e lá me deram o melhor hamburger que já comi na minha vida. Não tenho ideia se todos os lugares que vendem "hamburguesa", como chamam lá, são iguais, mas essa tal de W, ou Williamsburg, ou ainda "sim, outra hamburgueria em Palermo", como está escrito no site. Eu posso afirmar com convicção que este foi o MELHOR HAMBURGUER QUE JÁ COMI NA MINHA VIDA! Se você for até lá, peça o "Dylan", com cebolas caramelizadas, queijo azul fundido e rúcula. O hambúrguer é enorme, suculento e o molho é daqueles que caga a mesa toda. Se você tiver fome para pedir batata, peça a rústica. Ela vem com uma maionese temperada, é muito bom mesmo.

1- Carneeeeee

Um típico asado no meio da rua

Então, meu olho cresceu quando me disseram que o barato de Buenos Aires é a carne de vaca. E é verdade: onde quer que você olhe, tem uma parrilla (churrasqueira) fervendo e um cheiro maravilhoso de asado (churrasco) no ar. O gosto também não decepciona: se você pede um corte específico, corre menos risco de errar no sabor. Eu comi muito bife de chorizo (cuidado pra não pedir só "chorizo", porque senão o garçom vai te trazer uma linguiça!), mas tem outros cortes muito bons: bife de lomo (filé mignon), tapa de cuadril (picanha), bife ancho (contra-filé) e vacío (fraldinha).

Infelizmente, não lembro o nome do restaurante onde comi a melhor carne da minha vida, essa aqui da foto:
Podia ter pelo menos o raio do nome do restaurante no porta-guardanapo :(
Mas, se te serve de ajuda, é uma portinha perto da rua Flórida, e tem sempre uma pessoa distribuindo flyer com o bife em promoção. E como achamos esse lugar enfurnado entre um café e uma outra loja?

Depois de bater perna no Centro, estávamos morrendo de fome, e eu já tinha metido na cabeça que queria carne. Já eram mais de 2 da tarde, e só encontrávamos cafés e paneterias (padarias), até que pegamos um flyer de uma mulher, com o bife de chorizo na promoção com acompanhamento. Dobramos a esquina e lá estava o endereço.

Descemos uma escadinha apertada e nos deparamos com um enorme salão abaixo do nível da rua. Bonitinho, confortável, com cara de restaurante de boteco mesmo. Sentamos e pedimos a carne logo de cara, sem dar tempo de dizer "hola" pro garçom. Ele respirou fundo, coitado, e anunciou que não havia mais carne.

Gente, eu quase chorei. Com fome eu fico insuportável. Decidi não mostrar minhas true colors pra gringaiada e já ia me levantando quando o garçom, muito solícito, disse que ia "dar um jeito". E eu achando que jeitinho era coisa de brasileiro. O sujeito subiu a escada correndo e me volta, magicamente, com dois bifões crus numa travessa de alumínio. Com muito orgulho de si mesmo, o garçom paradeia os bifes na nossa frente e anuncia: "vou mandar fazê-los especialmente pra vocês". E eu comi o MELHOR BIFE DA MINHA VIDA, sem brincadeira. Não sei se ele matou a vaca ali, ou se a parrilla tava suja e deu um gostinho especial, não sei, mas o gosto estava incrível e eu não como mais nenhuma carne se não for trazida da rua por um garçom esbaforido e orgulhoso em partes iguais.

Alguém me leva de volta pra BsAs???



Robbie Jacks


1- Quando cheguei, a água tinha gosto de sal, mas agora não tem mais. Acho que acostumei.

2- Ainda não aprendi a usar "vale" nas frases. Vale.

3- "Guay" é uma gíria hipster adolescente que irrita bastante os portenhos, mas eu gosto de irritar.

4- "Tirar" não é tirar. É jogar fora.

5- "Sacar" sim, é tirar. Eita porra.

6- Falando nisso, as expressões "eita", "moço" e "oi, sumido" fizeram sucesso aqui. Contaminei.

7- Há 4 maneiras de fazer tours: de carro/táxi, de ônibus/subte, de bicicleta e a pé. Meu "guia" inventou uma quinta maneira: correndo. Sobretudo quando eu estava de vestido. O que paguei de calcinha na Avenida de Mayo não tá no gibi da Mafalda.

8- Já que estamos no assunto, é quase impossível achar coisas da Mafalda fora das rotas turísticas. É coisa pra gringo ver mesmo.

9- "Che boludo" é uma coisa boa, mas "que boludo" é um treco ruim. Só não me pergunte o quê.

10- Eu DEFINITIVAMENTE tenho cara de brasileira. Não engano nem nossos vizinhos.

11- Aqui se dá um beijinho só no rosto. Só que, assim que aprendi a me segurar, depois de duas tentativas frustadas de dar a outra bochecha, os amiguitos aprenderam que brasileiro dá dois beijos, ou seja, alguém sempre dava aquela paradinha embaraçosa pra ver se o outro ia dar o segundo beijo. Não coordenamos isso ainda.

12- Todos os eventos, descobertas, inaugurações e revoltas aconteceram em 1800 e bolinha. E todo argentino sabe a história do país. Ou talvez estivessem inventando, sei lá.

13- Medialunas são croissants doces, mas não sei por que há um orgulho imenso em diferenciar um do outro. São praticamente a mesma coisa, mas às vezes você vai num lugar e pede croissant e não tem, só medialuna. Eu, hein.

14- Um brasileiro entende um sotaque argentino muito bem, mas o contrário não acontece. Nunca.

15- O segredo é falar tudo em português com o sotaque deles. Dá certo mesmo.

16- Chorizo é linguiça, mas bife de chorizo é um bife de vaca tão maravilhoso que quero mudar minha resposta para a pergunta "se você só pudesse levar uma comida pra uma ilha deserta, qual seria?"

17- "Vaso" não é vaso. É "inodoro".

18- Aliás, não sei pq chamam de inodoro, pq né?

19- Aliás 2, "vaso" é copo, tá? Pensa numa pessoa que não sabe onde colocar a gasiosa...

20- "Gasiosa" é refrigerante, caso você esteja se perguntando. E aqui ainda tem Mirinda, lembra dela? Fabulosa!

21- Descobri, de tanto falar, que nossos famosos "péra" e peraí" têm um sentido filosófico: "péra" é uma pausa intelectual para arrumar os pensamentos, geralmente antes de falar. "Peraí" é uma parada física, seguida de um aceno de mão, para completar uma tarefa. Os dois irritam muchísimo meu interlocutor.

22- Eu não conseguia chamar a atenção de alguém dizendo "mira" sem tocar a música "Sonho de uma noite de verão" na cabeça. Toda. Santa.Vez. Mira, mira, mira....

23- Falando nisso, não há como mandar ninguém se foder aqui. "Jodete" é brincadeira de criança, um negócio que se diz quando se está levemente frustrado. "A la mierda" é o máximo que se pode ir uma pessoa indesejável. Não que eu tenha mandado ninguém, galera aqui é de boas.

24- Eu não ia muito com a cara do doce de leite. Até chegar aqui. Agora tô até escovando os dentes com ele.

25- Sorvete. Sorvete. Sorvete. Putaquepariu, sorvete. Que coisa maravilhosa que não via há 84 anos! Não se preocupe tanto com a marca, é tudo muito bom.

26- As pessoas legais não dormem antes das 1h da manhã. Aliás, tudo se faz tarde da noite, mesmo que você tenha passado o dia inteiro carregando a enxada debaixo do sol. Cansei de frequentar "asados" (churrascos) depois das 9 da noite.

27- O subte (metrô) tem Wi-Fi, mas é um calor dos infernos pq não tem ar condicionado. Prioridades.

28- Aqui também um sol pra cada um no verão, mas como eu sou carioca, e lá no Rio o segundo sol já chegou, deu até friozinho.


29- Aprendi com Yiya Murano que devo desconfiar de quem me oferece masitas. Elas podem me matar. Se você não sabe quem é Yiya Murano, fique ligado nos meus próximos posts que te conto essa e outras histórias de tours que fiz por lá. São maneiríssimas.

30- Me venderam empanadas como um paraíso na Terra, mas elas são horríveis, na verdade. Agora, ninguém me contou que lá ainda se vende DANETTE DE DOCE DE LEITE e BUBBALOO BANANA! Comasseeem, Brasil, eles têm e a gente não?? APRENDE!

31- "Forró" é forró, mas também é camisinha. "Polvo" é uma tinta em pó doida, mas também é sexo. Então, se você for fazer polvo, não esqueça do forró. E se quiser misturar as tradições de ano-novo, ensine aos portenhos um forró bem gostoso, enquanto eles te atacam com polvos de todas as cores.

32- A única coisa que não fiz aqui foi ver um show de tango. Mas dancei um Carlos Gardel desajeitado no terraço de um digníssimo portenho. Conta?


Robbie Jacks



A saudade é como um bebê monstro que cresce dentro de você, sem nunca ser verdadeiramente parido. A cada gestação, ele, antes só um embriãozinho sem muita atividade, se alimenta de suas tristezas, fica mais forte a cada data importante, até que se torna tão poderoso que rompe suas entranhas e se jorra no mundo. Como você o expulsa, eu não sei. Eu choro. Muito. Como se o motivo da minha dor estivesse de volta, como se meu algoz, voltasse de um cochilo pronto para me punir novamente. Choro até não ter mais forças pra chorar. Aí a saudade volta a ser um embrião. 

Quando escrevi esse texto, com seu aniversário em mente, mãe,  achei que não estaria me aguentando em pé hoje. No dia que escrevi esse texto foi o dia em que minha saudade explodiu. Em forma de choro e de texto. Hoje, que o preparo para publicação, noto que a saudade voltou a sua forma primitiva, um vazio que preenche o espaco, que faz voltar no tempo, e torna tudo relativo.   

Ainda me lembro do seu último aniversário na Terra. O ano era 2002. Estávamos brigando muito, havia uma nova sensação de revolta em mim que você não conseguia domar. Eu estava adultescendo, te desafiando como sempre, mas agora com argumentos que você não antecipava. Sentia que a vida não estava sendo justa comigo, sua saúde foi piorando, não havia tempo para nós e isso me angustiava. Nossas brigas eram constantes. Mas não naquele 5 de janeiro. 

Ao invés de cartões multicoloridos e de grafia desajeitada, ou discos de seus artistas favoritos acompanhados de bilhetes com palavras genéricas de amor de filha, lhe comprei um bolo. Da nossa delicatessen favorita, onde tantas vezes compramos os bolos meu e do Júnior, e as fatias de doce que tanto saboreamos juntas. 

Na minha distração juvenil, esqueci de comprar as velas. Um pouco decepcionada, mas sem me deixar abater, procurei na gaveta da cozinha e achei algumas branquinhas, que não dariam na pista a sua idade. Mulher tem dessas vaidades, eu já sabia. Preparei o bolo e as velas, sem que percebesse, e reuni a família em volta da mesa.

Eu sei que os filhos são egoístas por natureza. Não é bonito, mas hoje entendo que o comportamento faz parte de nossas "férias" até nos tornarmos pais, ou pais de nossos pais, quando entendemos que a vida de quem amamos vale muito mais do que a nossa. Mas juro que não sabia o quanto estávamos te negligenciando até aquele 5 de janeiro.

As velas ardiam em cima da camada espessa de brigadeiro, criando um círculo branco ladeado de chamas azuis e amarelas que bem poderiam coroá-la diretamente em cima de seus cabelos negros. Ao meu comando, iniciamos um desajeitado "parabéns pra você", que tantos aniversários te ouvimos cantar. Mas agora você não canta. Olha para o bolo com incredulidade. A grossa cobertura de chocolate, os granulados displicentemente posicionados, a cera derretida a criar novas formas na vela. Mamãe só olha, E chora.

Meu irmão e eu nos entreolhamos, desconcertados. Não era assim que se fazia uma festa? Compramos um bolo ruim, as velas não agradaram, faltou gente? Mãe, o que fizemos de errado?

"Ninguém nunca cantou parabéns pra mim", disse, e enxugou as lágrimas na barra da blusa.

Hoje você faria 80 anos, mas é esse aniversário de 65 anos que vou lembrar para sempre. Foi seu último e seu primeiro também. Desculpa não ter me dado conta antes, mãe,

     

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