Eu= sujeito simples.
Amo= verbo transitivo direto
Você= objeto direto
E, no entanto, é tão difícil compreender as implicações contidas neste período...
Entre o “eu” e o “você” há muito mais do que um verbo. Há
uma vida, um laço, um compromisso indelével que, muitas vezes, não quer dizer coisa
nenhuma. Mas eu divago.
As pessoas dizem “eu te amo” por um infinito de razões, e me
pus a pensar o porquê disto.
“Eu te amo” porque você me faz bem.
“Eu te amo” porque não apareceu ninguém melhor do que você.
Ainda.
“Eu te amo” porque você é lindo/rico/sarado/bom de cama, ou
qualquer adjetivo fútil que se encaixe aqui.
“Eu te amo” porque não sei o que é amar, mas deve ser isso
aqui.
“Eu te amo”, mas vou ali pular a cerca e já volto.
“Eu te amo”, mas não quero cuidar de você.
“Eu te amo” mas, na verdade, não amo, pois, se amasse, não
estava te deixando.
“Eu te amo”, mas só daqui a dez anos.
“Eu te amo” porque já passei por um milhão de coisas ruins,
e esse é o melhor relacionamento que já tive.
“Eu te amo”, mas não podemos ficar juntos, porque meu pai é
um Mezenga, seu pai é um Berdinazzo e nós vamos morrer no Vale a Pena Ver de
Novo.
Foi-se o tempo em que eu sonhava com um amor de cinema. Não
um amor perfeito, porque os do cinema não são perfeitos, muito pelo contrário:
os mocinhos começam atrapalhados, engatam o relacionamento e logo um dos dois
faz merda. Aí rola um chororô pra cá, uns bons drinks pra lá, e quando parece
que nada vai dar certo, uma puta coincidência aparece, e os dois reatam,
felizes para sempre até os créditos finais.
Este foi um dos primeiros sonhos que tive massacrados. Meu
criador nunca me escreveu numa “feliz coincidência” do destino. Minhas
histórias terminam sempre no chororô pra cá, e nos bons drinks também pra cá. E
depois mudam meu coadjuvante, mas o enredo é sempre o mesmo, o desfecho é
sempre trágico. Talvez eu esteja assistindo ao gênero errado...
Nessas histórias, todos os “eu te amo” que ouvi parecem ter
saído de um script. Ocos e superficiais. Uma vez, cheguei a ser chamada
repetidamente de “amor” enquanto o sujeito admitia que só gostava um tiquinho
de mim. Esquizofrenia, a gente vê por aqui.
Não vou dizer que eu também não tenha usado essas três
palavrinhas em vão. Já disse “eu te amo” no calor de um momento. Já jurei amar
alguém para não magoar a pessoa. Já amei e desamei com igual rapidez. Olhando
para trás, nem sei te dizer se amei mesmo alguém.
Meu primeiro “eu te amo” saiu quase como um vômito. Já havia
tido outros namorados, já havia ouvido outros “eu te amo”, mas, de mim, nunca
havia saído algo parecido. Eu não sabia o que aquilo significava, o que comia,
onde vivia. Só tinha amado de verdade, e muito profundamente, a minha mãe, e
havia acabado de perdê-la.
Foi em circunstâncias parecidas que proferi as três palavras
pela primeira vez.
Esse namoro foi diferente de todos os anteriores. Me tirou
da zona de conforto, me fez conhecer um milhão de lugares, um milhão de pessoas.
Pela primeira vez, eu estava completamente fora de mim, entregue para o outro.
Queria agradá-lo, mimá-lo, ficar bonita para ele. Mas não vivíamos em um conto
de fadas, e eu sentia o fim próximo. Assim, depois de um dia murcho, com a
tensão fria e cortante pairando no ar, soltei as três palavras. Foi uma
surpresa para nós dois. Em cinco meses de namoro, havia carinho, havia bom
humor e companheirismo, mas nunca achei que houvesse amor. A impetuosidade da
boca foi paga pelos olhos, que derramaram um turbilhão de lágrimas. Aliás,
preciso dizer que, desde este dia, nunca mais parei de chorar por esse tal de “amor”.
Que tipo de amor eu quero? Quero um “eu amo você” onde o “amo”
seja sempre a ponte entre eu e você, que nos liga, nos aproxima, nos faz cruzá-la dia e noite. Onde o “amo” seja o elo que nos ligue ao mundo, que nos faça mais forte para enfrentá-lo.
Onde o amor seja sempre um verbo ativo, companheiro, transitivo direto a mim
(que me perdoe Mário de Andrade), impenetrável a terceiros, compartilhável com
nossos filhos e multiplicador de anos de felicidade. Desejo, do fundo do meu coração, um "eu amo você" para a vida toda.