Nunca tive medo de voar. Quer dizer, até agora.
Quando se voa pela primeira vez, é aceitável bater um medinho, que vem do desconhecido, dos boatos, das histórias interrompidas por algum revés do destino.
Não... Voar, para mim, sempre foi uma delícia. Começa com a expectativa da viagem, os preparativos, a selagem do destino. Passagem comprada, todos a bordo? Que se inicie a mais nova aventura. E em quantas já não me aventurei...
Algumas foram curtas, como daqui a Paris. Outras, bem longas, cobriram milhas até a Austrália. Já tive viagens supersônicas e outras que, apesar da grande expectativa, nunca saíram do hangar.
Todas, absolutamente todas, terminaram em tragédia. Se, por um lado, me encontro viva para me jogar novamente, por outro estou destroçada, e pior: com medo de voar.
E se terminar em desastre novamente? E se não conseguirmos chegar ao destino? E se a viagem for novamente interrompida por um passageiro que, inadvertidamente, puxa a cordinha e pede para descer? São muitos nãos, entãos e senãos. Muitas dúvidas e muitas angústias. Inúmeras mágoas.
Voar já não é mais um prazer, e sim uma jornada penosa e sacrificante, onde nunca chego a lugar nenhum, e tudo o que resta são pilhas de recordações e algumas fotos, que nem chegam a ver a luz do dia. Contudo, percebam que, apesar do medo quase paralisante, da vertigem e da aparente intransponibilidade dos penhascos que se erguem à minha frente, não consigo deixar de me jogar.
Voo, mas sem a excitação do novo, pois já sobrevoei essas montanhas muitas e muitas vezes, e sei de suas armadilhas, e sofro em antecipação por cada uma delas.
Vou, porque não tenho mais onde ficar.
Voo, mas acrescento ao medo do novato, o temor dos velhos inimigos.
Vou, pois meu lugar só pode estar no além de todas essas montanhas.
Voo, torcendo para que eu nunca mais tenha que voltar.