"Morra logo", foi a primeira coisa que pensei. Sei que parece piada, ou pior, de mau gosto, mas meu primeiro impulso foi realmente desejar a morte. Já quis tantas vezes morrer nos últimos anos, por que não acabar logo com o sofrimento antes dele começar?
Meu instinto me dizia para avisar àquela menina de, sei lá, 15 anos, que a vida ia se complicar quinze anos depois. Sim, ela aproveitaria a adolescência ao máximo, e curtiria seus vinte e poucos anos ainda como uma adultescente, sem preocupações, com dinheiro no bolso e amigos ao redor.
Só que ela não saberia o tamanho do baque que sofreria ao chegar aos 30. Não tem mágica, não tem estalo, a vida só vai adquirindo um peso desnecessário, uma sombra meio fúnebre, um desgaste cada vez mais cansativo. E ela vai cansar de brincar. Vai querer descer do trem. Vai sentar no meio-fio e chorar de saudade dos seus vinte e poucos anos. Das noitadas. Do dinheiro. Das tardes vendo Vale a Pena Ver de Novo.
Morra logo, minha querida. Morra no auge. Morra com a certeza de que não vai ser melhor do que é agora, aos 15 anos, com a mamãe aí na sala, lendo, enquanto você escuta música trancada no quarto. Nem vou te falar para aproveitar mais a companhia dela, porque graças a Deus, nesse ponto, você não vai ter do que reclamar. Se você morrer agora, ou uma década depois, ainda vai fazer sentido. Eu é que não posso morrer agora aos 31, pois não veio nenhum eu do futuro me dizer se a vida ficou boa ou não. Infelizmente, tenho que pagar pra ver. O ingresso é caro, mas não posso deixar de estar presente para ver o final desse filme. Só espero que seja um bem feliz.
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Passado o primeiro instinto, me pus a pensar sobre o que implicaria voltar no tempo e dizer duas palavras a mim mesma. Supondo que eu não possa modificar o rumo dos acontecimentos, já que isso implicaria que o meu eu de hoje seria outra pessoa e, por isso, talvez não voltasse no tempo com essa brincadeira (hoje eu estou um pouco Sheldon Cooper, BAZINGA!!), a única coisa que eu poderia fazer seria alertar ao meu eu mais jovem sobre algo que irá ocorrer nesses quinze anos que virão.
Bom, eu não poderia dizer "cuide da mamãe"; primeiro, porque tem três palavras; segundo, porque seria colocar muita pressão numa menina de 15 anos que não sabe quando nem como sua mãe irá morrer. Deus me livre viver nessa angústia, e sem saber que o fim é inevitável. Não, melhor pensar em outra coisa.
Quando me pus a refletir sobre minha vida, percebi que não gostaria de mudar nada nela. Fui bem feliz em todas as fases e, se agora me encontro em meio a pepinos roxos gigantescos, são derivados de minhas escolhas. Mas nenhuma delas foi infeliz per se, porque fiz o que quis enquanto pude ter o direito de assim o fazer. Sendo assim, sou feliz. Agora que a vida está dura que nem coco é que me encontro nesses dilemas de Irene, sem saber que rumo tomar. Tô perdidinha, perdidinha, à espera de algo que me ache. Mas nem assim me arrependo.
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Conversando com a minha terapeuta, me toquei que eu nunca me senti merecedora de um elogio. Desde os mais simples, como "gostosa", sei lá, até os mais importantes, que falam de meu talento, ou inteligência. Mesmo agora, digitando isso, me sinto estranha, como se eu não pudesse dizer que sou inteligente sem parecer esnobe. O fato é que minhas notas azuis nunca foram apreciadas, porque não tive notas vermelhas. Nunca fui motivo de preocupação dos meus pais e, por isso, nenhum mérito era motivo de orgulho, muito pelo contrário: se eu demonstrava alguma felicidade por uma conquista acadêmica e queria falar sobre isso, encontrava resistência da parte deles, pois tinham outro filho que, por mais que se esforçasse (e eu nem acho que ele se esforça), não conseguia os mesmos feitos. Enfim, fiquei com a sensação de que me gabo demais, me orgulho demais. Graduei em três cadeiras diferentes na faculdade, e meu pai só foi a uma formatura, isso porque chorei e implorei que fosse. Quando defendi minha tese de mestrado, não havia um membro da minha família lá, só meus colegas de curso. Até hoje, meu pai não sabe quantos empregos tenho, ou onde escrevo.
Tenho a impressão de que levei esse "trauma" comigo a vida toda. Racionalmente, sei que me esforço, que sou boa, que posso e devo ter coisas boas, bons amigos, um bom emprego com um bom salário e um bom marido. Só não consigo acreditar que sou merecedora dessa felicidade toda. Agora que me toquei disso, iniciei um processo que só termina lá, no final feliz.
Então, se eu pudesse voltar no tempo, diria para o meu eu de 15 anos: "Você merece!". E mudaria todo o rumo da história...