Qual o sujeito da oração “choveu”? Sou eu. Eu sabia que ia chover. Mas não sabia que seria tão cedo.
O dia amanheceu brilhante, mas eu sabia que ia chover. A atmosfera muda, alguma coisa mexe lá dentro da gente, até bicho sente. Os ventos estavam fortes, mas não haviam derrubado a árvore podre. Ela só cairia com a chuva que veio a seguir.
E eu ainda pensei que não fosse chover. Achei que o tempo agüentaria, que o Sol sairia detrás das nuvens pretas. Achei que fosse passar, mas me precavi. E quando choveu, eu já estava preparada.
Não para a melancolia que a chuva trouxe. Não para a cidade vazia, para a cabeça cheia, para o cheiro de chuva e saudade. Não para a torrente de água e sentimentos que inundavam a mim e a rua como se nunca mais fossem parar. Não pelos pingos gelados das nuvens que se misturaram com os pingos quentes dos meus olhos. Eu não estava preparada para nada disso. Eu só tinha um guarda-chuva.
Ao meu redor, alguns corriam apressados, tentando escapar da fúria dos céus. Tadinhos, eu poderia tê-los avisado: ó, vai chover. Porque eu sabia. Só não sabia que ia ser tão cedo. Outros, já encharcados, poderiam até saber que ia chover, mas não acreditaram. Agora que ela havia chegado com força, não lutaram contra, apenas aceitaram as consequências do aguaceiro. Eu pensava como eles, embora estivesse semi-protegida pelo meu teto de pano: vai chover? Claro que vai! Não se pode ter um belo dia de Sol sem um pouco, ou um muito, de chuva.
Passaram também diversos casais. Uns bastante molhados, uns se espremendo debaixo de uma mísera proteção, alguns mais preparados carregavam cada um seu próprio guarda-chuva. Mas todos unidos contra a intempérie. Tenho muita admiração por eles, por conseguirem enfrentar os tempos adversos juntos. Vão pra casa, tomam um banho quente, colocam uma roupa sequinha e pronto: acabou-se a tempestade. Não foi meu caso.
A chuva destrói, desanima, deprime. Mas ela também renova, alimenta, limpa. Sozinha, na chuva, eu e meu guarda-chuva esperamos. Não pela alma e meias encharcadas secarem, não pelo coração pesado de água voltar a seu ritmo normal. Nós simplesmente esperávamos. Um dia essa chuva há de passar. Um dia eu não irei mais precisar de proteção.