O dia amanheceu, abri os olhos, me espreguicei, olhei em volta, tudo normal.
Me levantei, escovei meus dentes (embora não saiba por que diabos as pessoas escovam os dentes ANTES de comer, mas enfim...) escovei meus dentes, fiz meu café, abri o jornal. Tudo igual.
Senti falta de algo. Quer dizer, falta não era bem a palavra, mas eu sabia que algo estava ausente. Tudo normal, tudo igual, só que gostoso, diferente do cinza-bolor de ontem (mas eu não havia percebido isso).
Continuei meu dia e experimentei sensações há muito esquecidas. Havia um novo sabor no arroz do almoço, ou talvez o velho sabor de volta. A programação da televisão, desta vez, estava muito mais agradável. Ouvi o canto dos pássaros, por mais piegas que possa parecer, e me perguntei por que os pássaros se silenciaram por tanto tempo.
Aquele sábado estava anormalmente leve. Como acometida por uma súbita amnésia, ou talvez meus sentidos estivessem mais, digamos, sensíveis, tudo me parecia confortavelmente familiar, como se estivesse voltado para casa depois de uma longa e cansativa viagem.
De repente, como vítima de transe, uma palavra me fez sentir novamente o que estivera felizmente ausente naquele sábado diferente. A dor, aquela que tanto me apertou, que me jogou para o fundo do ralo do fundo do poço, não estava mais lá. Depois de me triturar com suas garras feitas de lembranças e sentimentos doentios, ela se tornou uma ingrata companheira, uma dedão inchado que cismava de pulsar dolorosamente cada vez que encostado. Eu, infeliz hospedeira dessa dor malvinda, me acostumei a carregá-la comigo, e ela fazia questão de sugar cores, cheiros e sabores da minha vida.
No dia em que acordei e ela não estava mais lá não houve comemoração, fogos de artifício ou champagne para estourar. Houve apenas a certeza de que sou muito mais forte do que jamais pude imaginar e a constatação de que, realmente, tudo vai passar. O fim mais feliz é o que encerra a escuridão. E veio o amanhecer, com seu novo Recomeço.