Tinha, por hábito, sonhar todos os dias. O objeto de desejo mudava com frequência, mas sempre era mágico. Afinal, todos os seus sonhos continham a mesma temática amorosa.
E eram tão reais que até frio na barriga chegava a sentir. Ela idealizava, caprichosamente, cada aspecto da personalidade do escolhido, mesmo que não soubesse nada a seu respeito. E, todas as vezes que saía de casa, guardava no fundinho do coração a esperança de que aquele era O dia, o dia de encontrá-lo ali, esperando por ela, encostado na parede com seu jeito displicente e seu ar de "chega mais".
Sim, ela tinha sonhos. Muitos deles. E o sonho maior de todos era que todos os seus outros sonhos virassem realidade. Se não fosse tão ordinariamente comum, qualquer passageiro, passante ou pedinte poderia perceber que, embora ela por ali circulasse todos os dias, nunca estava de fato lá. Seus olhos brilhavam de ilusões por trás dos óculos escuros. Embalada pela música em seus ouvidos, lá ia ela pelas ruas, querendo encontrar o amor, mas sem realmente procurá-lo.
Pois ela acreditava em destino. Que tudo tinha um propósito. Que, se era para ser, nem sua abismal indiferença para com o mundo real atrapalharia os planos traçados para ela. Era assim que tinha que ser, e era assim que seria. Como todo bom conto de fada.
Por isso, ela vivia para dentro, perdida em devaneios, aguardando quem a salvasse de si mesma. Como a mais romântica das românticas, a cada relacionamento que iniciava, suas esperanças eram renovadas. "É esse!", afirmava para si mesma; sua busca havia terminado!
Mas o que o tempo não conta e a convivência não esconde é que algumas pessoas não foram feitas umas para as outras. Defeitos, que no início são um charme a mais, uma mostra de que a perfeição é chata, acabam por minar relacionamentos que, não fossem isso, poderiam durar. Mas ela não enxergava nada disso. Se aquela pessoa havia cruzado seu caminho, não media esforços para fazer dar certo, afinal, era o destino, certo?
Assim, aguentou muitas coisas. Traições, brigas sem motivo, hábitos pouco higiênicos, cigarro: nada a fazia desistir. Seu conto de fadas tinha que ser verdade e tinha que ser agora, mesmo que tudo em volta dissesse o contrário. Ela idealizava tanto sua vida, se agarrava tanto à ideia de felicidade, que não era de se estranhar que, a cada rompimento, seu mundo desabasse de forma colossal. Seus namorados, um a um, passavam a odiá-la, tamanha era sua falta de personalidade. Tudo estava sempre bem, tudo era sempre bom. Até que eles davam um basta.
A busca continua. Esperando, fantasiando, se iludindo. Se agarrando à promessa do final feliz. E o eco intermitente da pergunta que insiste em lhe angustiar: falta muito para acabar?