(...)Entrei na sala dona de mim e do mundo. O riso me era solto, as palavras fluíam com facilidade, as pessoas todas me conheciam. Nenhum olhar de reprovação, todos pareciam animados com minha presença.
Ao fim, fui perguntá-lo se eu podia ficar. O professor, que havia pego uma escada para buscar seus chapéus no sótão da sala, não havia ainda ouvido meu desejo. "É difícil, né?", perguntei. E ele, do alto da escada, me respondeu: "é, é difícil".
Crianças, muitas delas, apareceram, vindas de todos os lados. Vieram me rir, me falar. Chamavam-me e eu as respondia, no mesmo tom de cumplicidade. E ele então entendeu minha liberdade.
"Sempre há uma saída, minha querida" disse o professor. "Escreva-me uma história. Mas uma história mágica, misteriosa, levemente suntuosa..."
"Sobre minha vida?" interrompi. "Devo falar sobre a verdade?" continuei. "Sim, porque se falar da minha vida, e sobre o maravilhoso, mentirei".
E o mestre, rindo, lembrou-me do velho ensinamento: "se o autor, no fim de sua história, revela que é mentira tudo o que escreveu, e ainda sim assina o texto, nega a própria mentira, descortinando a verdade. Parcimônia, minha querida. Você não quer esconder o todo. Quero mágica!".
"Fácil", pensei.
Em um pulo, eu já corria pelo hall, risonha e saltitante como as roupas estranhamente etéreas que me vestiam. Senti o gosto do desafio como um caramelo que desmancha na boca. O mundo era meu, entendi, porque quem o comandava era uma criança.
O professor passou por mim, com seus 3 chapéus brilhantes (e de cores berrantes), com seus óculos tortos na cara, e me lançou um olhar de cumplicidade, embora sua boca se abstivesse de lançar aquele sorriso que eu só vi durante minha performance em sua aula. Muito interessante, esse meu professor. Tem o charme (e o mistério) de Johnny Depp. Quem sabe um dia...
Corri pelos corredores com a leveza de um gato esperto. Cada obstáculo era delicioso, e eu me preparava com um sorriso desafiador para transpô-los. Quase escutei o tiro da prova que me levou a disparar e saltar sobre uma grande cama onde amostras enormes de tecidos coloridos, macios e felpudos se amontoavam e se alternavam. Procurei por etiquetas, quis saber o nome de cada peça que me tocava, mas deixei para lá, igualmente satisfeita: o mistério dos tipos de tecido era suficiente, risível, e deixá-los sem nome era mais interessante. E eu percebi que ali, enquanto eu corria feliz pela certeza do futuro garantido e da boa sorte, a história que eu sabia ser fácil escrever já estava sendo escrita, entre gargalhadas, sonhos e amostras de tecido.